Basta pormos os pés nas ruas de qualquer cidade brasileira; seja ela de pequeno, médio ou grande porte; que não é difícil encontrarmos o povo inventando uma maneira para sobreviver.
Quando das minhas muitas idas ao Rio de Janeiro, dois lugares da Cidade Maravilhosa me deixavam deliciosamente maravilhados com seus trabalhadores temporários e muitos outros que estavam ali há anos, inventando sempre uma razão para ganhar alguns trocados; o primeiro lugar é internacionalmente conhecido, que é o Largo da Carioca, bem pertinho da Avenida Rio Branco, centro nervoso do Rio, onde centenas de artistas fazem desde acrobacias, mágicas, vendem livros, revistas e até prestam assessoria financeira para aqueles que chegam na cidade para ganharem à vida. O outro local do Rio a que me referi é a Feira de São Cristóvão que além dos quitutes fantásticos do Nordeste, apresenta também vários sertanejos retirantes que sonham com o estrelato no Rio de Janeiro.
Não importa o porte da cidade, o que importa mesmo é a platéia que ela apresente. Se existem os artistas, com certeza existem os que consomem a sua arte ou os seus préstimos, como também existem os picaretas que enganam e de certa forma roubam a alegria daqueles que ainda acreditam nos artistas de ruas e os valorizam. Não é incomum encontrarmos próximos das estações rodoviárias, pessoas que prometem dinheiro fácil com apostas como a de acertar aonde está a bola nas formas de bolinhos.
O acesso ao emprego com as devidas garantias da CLT está tão difícil e raro que o brasileiro busca de qualquer forma uma maneira de criar uma fórmula mágica que o faça rico, famoso ou feliz; quiçá os três juntos, mas menos de dois em cada grupo de dez milhões conseguem sequer uma vida normal, com a dignidade que merecem estas pessoas sofridas e inteligentes.
Em Vitória da Conquista, na Bahia, vive Paulo Enrolado ou Arrocha, que provavelmente recebeu este apelido pelo ofício que pratica há alguns anos. Paulo é um destes brasileiros que busca uma oportunidade de avistar apenas o primeiro degrau da fama ou de apenas reconhecimento pelo seu trabalho pícaro e inteligente. Ele vive em postos de combustíveis da margem da BR 116 (Rio Bahia) entortando pregos para confeccionar incríveis quebra-cabeças e os vendendo a quem passa por também incríveis R$ 2,00.
O que Paulo Enrolado produz nada mais é do que sonhos que ele próprio acredita que diverte pessoas e pode um dia produzir a sua própria felicidade. Segundo este brasileiro verdadeiro, ele já esteve bem; caiu e foi ao fundo do poço e pelos seus quebra-cabeças geniais, criados e produzidos por ele mesmo em seu carrinho de madeira, ele descobriu o início do caminho da felicidade.
Paulo me confidenciou que muitos o chamam de louco; outros o chamam de vagabundo e poucos conseguem lhe elogiar, mas ele jamais desistirá do seu objetivo e continuará criando arte de rua pois esta arte é quem paga seu pão de todo dia e o conduzirá ao reconhecimento. Ele ainda me disse que a TV Globo local já o convidou para o quadro dominical Se Vira Nos Trinta e ele apresentará um jogo novo que retira uma haste maciça que prende várias argolas de aço, sem ter que quebrá-las.
Igual a Paulo Enrolado existe milhares de outros e o mais difícil é determinar se são melhores ou iguais a ele, mas o certo mesmo é que todos os Paulos que fazem da sua inteligência um instrumento em prol do bem estar da comunidade por si só já mereciam um lugar de destaque; uma estátua ou um monumento, mas a probabilidade de serem reconhecidos pelas suas artes ou conhecimentos, nós sabemos que é cada vez mais difícil, para não dizermos impossível.
O brasileiro comum não gosta do brasileiro comum; por natureza e história, somos educados para sermos puxa-sacos ou capachos de alguns muitos idiotas que roubam à arte do Paulo, patenteiam, industrializam e ficam milionários, enquanto o Paulo, aquele dos pregos tortos que viram quebra-cabeças, continuará sendo chamado de vagabundo; é a puta ignomínia da vida que inverte valores imprescindíveis e minimizam aqueles que de fato são inteligentes.
Pode até ser que Paulo Enrolado não ganhe nada no Se vira nos trinta; pode ser que ninguém que o assista reconheça que a sua arte faz crescer a esperança dentro de um brasileiro batalhador e feliz; pode ser que nem mesmo eu tenha contribuído para que aquele brasileiro incomum saia da escuridão dos postos da BR 116 para o sonhado reconhecimento, mas com plena certeza, Paulo me fez feliz naquela noite que o conheci pois me deixou bem claro que nem sempre a felicidade está naquilo que sonhamos ou que arquitetamos a vida inteira; pode ser que a felicidade esteja aqui do meu lado, mas meu medo, que é igual ao da maioria dos brasileiros, me deixa cego, burro, surdo e mudo.
Parabéns Paulo por sua arte e por sua contribuição impagável para a criação da história do Brasil!
Texto e Foto:
Carlos Henrique Mascarenhas Pires